quarta-feira, novembro 29, 2006

Le Chat




C'est l'esprit familier du lieu ;
Il juge, il préside, il inspire
Toutes choses dans son empire ;
Peut-être est-il fée, est-il dieu ?

Je vois avec étonnement
Le feu de ses prunelles pâles,
Clairs fanaux, vivantes opales,
Qui me contemplent fixement.

Charles Baudelaire

Sê tu a palavra


Poupar o coração
é permitir à morte
coroar-se de alegria.
Morre
de ter ousado
na água amar o fogo.


Eugénio de Andrade

sexta-feira, novembro 24, 2006

Todo o tempo é de poesia

Todo o tempo é de poesia
Desde a névoa da manhã
à névoa do outro dia.
Desde a quentura do ventre
à frigidez da agonia
Todo o tempo é de poesia
Entre bombas que deflagram.
Corolas que se desdobram.
Corpos que em sangue soçobram.
Vidas qu'a amar se consagram.
Sob a cúpula sombria
das mãos que pedem vingança.
Sob o arco da aliança
da celeste alegoria.
Todo o tempo é de poesia.
Desde a arrumação ao caos
à confusão da harmonia.

António Gedeão

sexta-feira, novembro 17, 2006

Se eu pudesse trincar a terra toda


Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar
E se a terra fosse uma coisa para trincar
Seria mais feliz um momento...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...

Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva...

O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...


Alberto Caeiro

quarta-feira, novembro 15, 2006

O Sorriso



Creio que foi o sorriso,


o sorriso foi quem abriu a porta.

Era um sorriso com muita luz

lá dentro, apetecia

entrar nele, tirar a roupa, ficar

nu dentro daquele sorriso.

Correr, navegar, morrer naquele sorriso.



Eugénio de Andrade

segunda-feira, novembro 13, 2006

quinta-feira, novembro 09, 2006

Me gusta cuando callas...




Me gusta cuando callas porque estás como ausente,
y me oyes desde lejos, y mi voz no te toca.
Parece que los ojos se te hubieran volado
y parece que un beso te cerrara la boca.

Como todas las cosas están llenas de mi alma
emerges de las cosas, llena del alma mía.
Mariposa de sueño, te pareces a mi alma,
y te pareces a la palabra melancolía.


Me gusta cuando callas y estás como distante.
Y estás como quejándote, mariposa en arullo.
Y me oyes desde lejos, y mi voz no te alcanza:
Déjame que me calle con el silencio tuyo.

Déjame que te hable también con tu silencio
claro como una lámpara, simple como un anillo.
Eres como la noche, callada y constelada.
Tu silencio es de estrella, tan lejano y sencillo.



Pablo Neruda, Veinte Poemas de Amor y una Canción Desesperada

quarta-feira, novembro 08, 2006

terça-feira, novembro 07, 2006

Uma música que seja















Uma música que comece sem começo e termine sem fim. Uma música que seja como o som do vento numa enorme harpa plantada no deserto. Uma música que seja como a nota lancinante deixada no ar por um pássaro que morre. Uma música que seja como o som dos altos ramos das grandes árvores vergastadas pelos temporais. Uma música que seja como o ponto de reunião de muitas vozes em busca de uma harmonia nova. Uma música que seja como o voo de uma gaivota numa aurora de novos sons...

Vinicius de Moraes

segunda-feira, novembro 06, 2006

O mar olha por ti

Sorriso interior

O ser que é ser e que jamais vacila
Nas guerras imortais entra sem susto,
Leva consigo esse brasão augusto
Do grande amor, da nobre fé tranquila.

Os abismos carnais da triste argila
Ele os vence sem ânsias e sem custo...
Fica sereno, num sorriso justo,
Enquanto tudo em redor oscila.

Ondas interiores de grandeza
Dão-lhe essa glória em frente à Natureza,
Esse esplendor, todo esse largo eflúvio.

O ser que é ser transforma tudo em flores...
E para ironizar as próprias dores
Canta por entre as águas do Dilúvio!



João da Cruz e Sousa (poeta simbolista brasileiro 1862-1898)